segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Uma chance para existir

Por Jocenilson Ribeiro[i]


Leiam, meus filhos, leiam... leiam para ser alguém na vida. Não consigo esquecer essa convocatória feita pela professora de matemática há exatos quinze anos. Na época, a turma tinha uns trinta alunos, cursávamos o ginasial. Poucos talvez entenderam por que a expressão imperativa da professora parecia mais com uma convocatória do que com uma ordem. Lugar de leitura é na aula de português, disse um atirado. Ser alguém na vida era, para a nossa mestra, uma metáfora, cujo significado nos remeteria um valor na sociedade que só a educação pode nos dar: dignidade. Hoje é que faço essa leitura.

O impeachment de Collor estava por vir, dias contados. Não sabíamos nós que para entendê-lo era preciso ler, não (somente) uma leitura de jornais, revistas, livros, mas uma leitura de mundo mediada pelo próprio caminhar da história. Éramos muito meninos, não sabíamos ler. Ou sabíamos? O fato é que, depois de ver tantas caras pintadas nas ruas, passei a pensar que aquela garotada estava lutando para ser alguém na vida. Podia-se ler nos olhos, na boca, nos braços, no grito, nas letras e faixas pintadas de verde e amarelo: “Fora Collor!”

O bebê que nascia naquele dia de vibração juvenil tem hoje, já adolescente, a chance de resgatar tal acontecimento através da leitura, por exemplo. E mais: pode fazer conjecturas e tirar suas próprias conclusões. É assim no processo de leitura. Sempre que lemos, ressignificamos o mundo, construímos valores, nomeamos e apagamos saberes, impomos conceitos. Imprimimos na História nossa própria história e deixamos marcas de subjetividade que só o tempo pode acender ou apagar. Diante disso, pergunta-se: como ser alguém na vida e marcar pontos na história? Respondo: lendo — tal como nos sugeriu nossa pró.

Os espaços de leitura hoje têm que ser promovido pela própria educação e não apenas em momentos específicos como em aulas de língua portuguesa e literatura, uma vez que ela é bastante ampla e carece de muitos lugares para se fazer presente. É possível ler de Os Lusíadas, de Camões (escrito há mais de 4 séculos), a um choro comovente de um bebê que deseja o leite materno. Devemos ler também do mendigo, que se encontra no chão a minguar uma moeda, a um nobre senhor que faz ponte aérea a cada semana. Nesse processo de leitura da vida, devemos entender o que os coloca em lugares tão diferentes, e o que os aproxima.

É preciso ler para conviver, para saber, para viver. Ler para não se apagar nas multidões invisíveis que perambulam a sociedade letrada e desletrada. Ler para ser alguém capaz de enxergar sua imagem do outro lado da rua, da esquina... do outro lado do muro ou da terceira margem do rio. Ler para enxergar a si mesmo e ao outro como ser que erra e, por isso, deve respeitar a diferença em cada caminho porque nunca se tem certeza se seremos alguém livre dos óbices da vida... Ler para viver com dignidade. Ler para morrer com dignidade! Devemos ler sim sem preguiça para enxergar além do que os olhos alcançam; devemos ler sim para tentar mudar a rota dos mares que nos ameaçam retirar a possibilidade de ser outro alguém... outro alguém na vida.

[i]Jocenilson Ribeiro reside em Feira de Santana-BA. Graduando em Letras pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e professor de língua portuguesa redação em cursos pré-vestibulares. Escreve crônicas, contos e poesia, tendo publicado em antologia no estado e sido premiado em concursos literários. É editor do blog Palatus et colirius (http://co-lirius.blogspot.com/). Este texto foi publicado na revista on-line Revista 7 no mês de outubro, em que se comemora 15 dia do professor. Confira no site da revista www.revista7.com.br.