sábado, 5 de janeiro de 2008

Ruschi, um raro beija-flor


Ruschi, um raro beija-flor*

Recriar o paraíso agora para
merecer quem vem depois”
(Beto Guedes)
Os efeitos da Revolução Industrial e de uma sociedade consumidora, no decorrer das décadas, foram, sem dúvidas, as principais causas da agressão à natureza. A extração descontrolada de matérias-primas, durante muitos anos, resultou em danos irreparáveis ao meio ambiente. Porém, só no século XX, alguns pensadores passaram a preocupar-se com os danos provocados pelas grandes devastações ambientais e pelos gases nocivos lançados à atmosfera. É nesse contexto que surge Augusto Ruschi, patrono da ecologia e defensor de uma atuação humana atenta a uma natureza equilibrada. O objetivo maior de seu projeto era, sobretudo, manter uma sociedade capaz de desenvolver-se de forma sustentável.
Augusto Ruschi destacou-se entre célebres pesquisadores do século passado e foi defensor árduo da flora e fauna brasileiras. Lutou incansavelmente pela preservação ambiental e manutenção da vida animal e vegetal em equilíbrio. O capixaba, dentre outros títulos, é conhecido como naturalista, advogado, agrônomo e ecologista. Segundo a literatura a que se teve acesso, Ruschi tornou-se o maior especialista em beija-flores no mundo. Ele contribuiu também com estudos de morcegos, macacos; bromélias, orquídeas, além de ter feito estudos sobre impactos ambientais.
Esse grande cientista escreveu 22 livros, fundou duas instituições científicas (o Museu de Biologia Professor Mello Leitão e a Estação de Biologia Marinha Ruschi) e a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza dentre várias reservas naturais. Ruschi foi também o idealizador da Agroecologia — ciência através da qual se defendia o desenvolvimento sustentável, ou seja, uma relação ética e justa entre o homem e o meio natural. Pode-se perceber, portanto, que o advogado da natureza sobrepunha à própria ordem de sua época para defender a perfeita relação homem-natureza hoje e amanhã.
Atualmente, ouve-se falar muito em desmatamento e queimadas. Estes problemas iniciaram-se já há muitos anos com o crescimento da população brasileira, aumento do número de latifúndios, intensificação da monocultura e, consequentemente, com a exploração desenfreada de recursos naturais. Nessa perspectiva, foram devastadas grandes áreas de florestas tropicais e equatoriais para dar lugar a novas cidades, além de terrenos para a prática da agricultura. Em decorrência do desmatamento nestas áreas florestais, outros impactos ambientais foram surgindo e se intensificando, dentre eles, a desertificação.

O desmatamento rompe o equilíbrio ecológico resultando em diversos impactos ambientais. Um dos que se tem notado é a desertificação, termo dado às áreas que, antes ocupadas por florestas, transformaram-se em áreas inférteis. Os fatores que contribuem para a desertificação estão, na maioria das vezes, relacionados à ação humana, tendo em vista o uso intensivo da terra para a agricultura, pecuária e outras atividades. A transformação dessas áreas atinge, geralmente, tanto regiões úmidas quanto semi-áridas. Por outro lado, as conseqüências correspondem à redução da biodiversidade, desgastes do solo por ora explorado pelo homem, transferências de pessoas do campo para a cidade e, atrelada a este fator, o desemprego iminente.

Outro preocupante problema ambiental, e que hoje é discutido no mundo inteiro, é o efeito estufa, cuja causa é manifestada com o aumento de CO2 na atmosfera. As queimadas realizadas por diferentes culturas ou até mesmo a transformação de áreas florestais em pastos, bem como o aumento do consumo de combustíveis fósseis, vêm afetando a qualidade dos recursos naturais disponíveis para a sobrevivência humana na Terra.

Nota-se, portanto, que o aumento da temperatura global, sobre a qual a mídia tem dedicado sua atenção com bastante ênfase, é nocivo à sociedade. Tal ocorrência mundial pode gerar mudanças drásticas no comportamento da natureza. A sociedade possivelmente terá que mudar de postura diante de uma nova ordem estabelecida pelas condições físico-climáticas da Terra, caso contrário, pagará um preço bastante alto, isto é, com a Vida.

Responsável por fornecer alimentos para a humanidade há séculos, a agricultura foi também um dos fatores que impulsionaram o rompimento do equilíbrio ambiental. No decorrer dos anos, novas técnicas de produção de alimentos foram implantadas para suprir a população mundial. Os avanços tecnológicos no campo proporcionaram o aumento na produção alimentícia. Entretanto, a utilização intensiva de produtos químicos na agricultura provocou a contaminação das águas e do solo, caracterizando um dos principais impactos do homem no meio rural.

Nesse contexto, os defensores agrícolas causam danos à saúde dos trabalhadores, provocam a contaminação de alimentos, contribuem para o aparecimento de pragas mais resistentes a tais pesticidas e afeta, sobretudo, a diversidade biológica. Diante de todas as questões acerca da temática, pergunta-se: o que fazer para conciliar os novos processos tecnológicos e a necessidade de consumo do homem com a conservação do ambiente? Foi atento a esta e outras interrogações que Augusto Ruschi, no campo da Agroecologia, apontava em seus estudos científicos o perigo dos agrotóxicos e os impactos da monocultura.

Por volta da década de 70, surge uma nova ciência multidisciplinar que visava uma harmoniosa relação entre a produção de alimentos e a conservação do meio ambiente, não a disputa entre eles. Anna Elisa Nicolau dos Santos em seu artigo Agroecologia: Respeito à Terra define-a como “um sistema de produção que procura imitar os processos como ocorrem na natureza, evitando romper o equilíbrio ecológico que dá a estabilidade aos ecossistemas naturais”. Nesse sentido, a Agroecologia leva em consideração a propriedade agrícola como um todo e busca uma interação entre todos os seres vivos. Tal ciência defende o cultivo de alimentos de forma natural – sem a utilização de agrotóxicos – com o objetivo de se chegar a uma agricultura sustentável. Com a atuação da Agroecologia, garante-se a preservação do solo, dos recursos hídricos, da vida silvestre e dos ecossistemas naturais, sem interferir na segurança alimentar. Augusto Ruschi, além de sugerir uma agricultura sustentável baseada nos princípios deste campo científico, mostrou que é possível sim aliar o progresso com a conservação do patrimônio natural.

Contudo, restam-nos outras questões: existe mesmo desenvolvimento sustentável? A humanidade está preocupada com os efeitos do “progresso”? Estas dúvidas estão presentes no cotidiano da sociedade. Hoje se sabe que países emergentes como Brasil, China, Índia — cujo sistema econômico visa apenas ao lucro sem muito se preocupar com os impactos futuros — devastam milhares de hectares de florestas ou as inundam com construção de hidrelétricas, expulsando inúmeros animais de seu habitat. Os EUA e o Japão correspondem aos países desenvolvidos que mais consomem os recursos naturais e poluem a Terra. Para eles, o importante é apenas lucrar, crescer economicamente, todavia esse ideal é sem dúvida o principal causador da destruição da biodiversidade. Isso torna a relação humana conflituosa com o meio em que se vive, ficando cada vez mais difícil desenvolver e preservar simultaneamente.

A natureza fornece-nos recursos para a sobrevivência: alimento, energia, combustível, água, oxigênio etc. O homem, no intuito de crescer comercialmente, ignora a importância de se conservar o meio. O desenvolvimento dos países em nível industrial e tecnológico é de grande importância para a humanidade, pois promove empregos e fornece produtos. Contudo, esse progresso ilimitado durante muitos anos resultou no desequilíbrio, causando danos irreversíveis ao meio ambiente e, consequentemente, ao próprio ser humano.

Com amor à natureza, o “beija-flor” Ruschi lançou no mundo a semente da conservação ambiental, mostrando que pode haver desenvolvimento conciliado à sustentabilidade ecológica. Mas hoje, 21 anos após a morte deste ilustre homem, nos questionamos: quando iremos adotar suas idéias sócio-ambientais e conservacionistas? Quantos animais terão de ser extintos, quantas florestas terão de ser queimadas e quantos rios terão de secar para o homem ter consciência da gravidade de seus atos? Precisamos mudar a nossa postura e adotar medidas de desenvolvimento que levem em conta a preservação da natureza e supra as necessidades atuais sem comprometer as futuras gerações. Assim faremos germinar a semente plantada por Augusto Ruschi - um beija-flor num universo de tantos pássaros - e conciliaremos o progresso com o respeito ao meio ambiente, tornando o projeto do Patrono da Ecologia Brasileira em ações e dando continuidade ao desafio de progredir sem destruir. Enfim, é necessário que nós humanos nos portemos como o beija-flor da fábula. Por mais difícil que seja controlar as chamas desse incêndio (a destruição), é preciso que tenhamos consciência de que não iremos solucionar sozinhos os problemas do mundo, mas o importante é que nós façamos nossa parte...
Feira de Santana, agosto de 2007.
*Esse texto foi produzido por Emile Caroline Silva Lopes, estudante do 2º ano do Ensino Médio do Instituto de Educação Gastão Guimarães (Feira de Santana-BA) e orientado pelo Prof. Jocenilson Ribeiro na ocasião em que ministrava o curso de redação pelo Núcleo de Estudos Canadenses (UEFS). O texto foi construído a partir do tema AUGUSTO RUSCHI PATRONO DA ECOLOGIA BRASILEIRA indicado para o 13º Prêmio Nacional Assis Chateaubriand de Redação/Projeto Memória - Fundação Banco do Brasil.