terça-feira, 28 de julho de 2009

Da palavra à vontade de saber

Eis porque devo escavar as palavras... e o farei a golpe de enxada se necessário, já que nessa arqueologia do saber, tenho vontade.

O que, para muitos, a atividade escrita serve apenas para representar pensamento, tramitar atividades oficiais ou preencher pastas e arquivos, para mim é muito mais que isso. Considerações desse tipo reduzem a palavra a mais insignificante função, uma vez que, dessa forma, se poderia substituí-la por qualquer outra coisa capaz de expressar ideias, o que não é o caso.

Hoje, com as inovações técnico-científicas, cuja virtualidade do dizer adquire uma nova forma de relações humanas, a palavra, o discurso, o pensamento, os conceitos, as ideologias, os enunciados, as relações de poder... tudo isso simplesmente adquiriu novos sentidos e fez a língua do homem ser revestida de mais valor, embora poucos são os que pensem assim. Mas a palavra é o fenômeno ideológico por excelência, já dizia o russo Mikhail Bakhtin no início do século passado.

Certa feita, ao me ver defendendo a palavra como instrumento-saber privilegiado entre as diferentes formas de relações sociais, um contador de história oficial me perguntou com tom irônico:

- Mas o que é que vocês linguistas veem tanto nas palavras que os outros não conseguem e vivem dizendo, desdizendo, remontando-as, escavando-as a golpe de enxada?”

Respondi-lhe:

- Queremos descobrir a história dos homens, essa história que você conta, queremos ver os homens, dar-lhe sentido em seu tempo... queremos ensinar os homens a ler o saber, a sentir o sabor, não procurando o conhecimento em cada palavra solta nos dicionários, mas observando o modo em que elas foram arranjadas e acorrentadas pelas mãos de quem a teceu nos mais diversos gêneros.

- Achei bonito isso, mas não entendi, disse ele.

Foi quando concluí:

- O bonito que você destaca faz parte da arte do dizer, do modo como eu disse e como você as vê; mas a compreensão só é possível quando se passa a tomar o texto não como representação de meu pensamento, de uma história aquém das palavras, mas como o próprio pensamento, a própria história construída por mim, por ti e, sobretudo, com arte e saber.

Queria dizer com isso que a vontade de saber (utilizando-me da expressão do filósofo francês Michel Foucault) se faz pela linguagem, e a palavra, nesse aspecto, adquire um status com e através da qual, senão na qual, se luta, se dita, se cumpre, se mata, se vive. Diante disso, não consigo pensar sem que não me venha as palavras assim como nada compreendo se elas não estiverem ao meu alcance, e garanto que um indivíduo que nasceu desprovido das faculdades para o domínio da palavra escrita ou oral consiga pensar sem que possa ter outro meio capaz de relacionar-se com o outro e fazer-se entender e produzir sentido.

Logo, a escrita, a meu ver, é uma arte que, em se tratando de relatar uma composição farmacológica ou um romance de grandes aventuras, por exemplo, se define pelos indivíduos que a manipulam. Não há homens sem palavras (ou qualquer outro material semiológico), não há história sem homens, assim como não há história separada das palavras. Os três são indissociáveis para o que se concebe como entendimento humano. Por essa razão, é preciso espalhá-las no mundo como quem semeia sementes de girassóis para que os herdeiros de nossos genes aprimorem nossos grandes feitos, mas jamais levem consigo as cinzas da ignorância que acabem pairando sobre os escombros desse tempo.

jr

(Imagem -fonte:http://tracosesparsos.blogspot.com/2007/11/erudito-wannabe.html)