sábado, 16 de outubro de 2010

Um presente simples a um amigo

(Imagem: arquivo pessoal, Foto: J. Ribeiro)

Hoje recebi esse poema de um amigo pedante. É muito “da hora”, como ele costuma falar. Trouxe para o Palatus porque sei que aqui eu nunca vou perdê-lo como geralmente acontece com tantos papeis esparramados em minha vida. Pela amizade literária, eu agradeço-o. Tá guardado, meu nobre.

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Um presente simples a um amigo

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Surgiu, assim, o escrito, que é de e por amizade,

Que não era memória e, mesmo assim, existia.

Há muita amizade quando não se espera amigos

Que é e não é nascida do acaso, mas interdiscursiva.

jr

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Tiririca: o pior é que agora fica!

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Este dia de eleição, como tantos outros, foi mesmo histórico. E a história que aqui se vê não é definida somente pelos pontos positivos de uma campanha intensa, mas por características exóticas. Não diria uma característica boa, ruim, feia, bonita, mas capaz de revelar a complexidade de um eleitor brasileiro heterogêneo. Um eleitor que tem posicionamentos ideológicos distintos, o que demonstra positivamente a postura de um país que permite o funcionamento de direito democrático. Isso não significa que permissão seja ação.

Queria aqui discutir o sentido do voto atribuído ao candidato e agora eleito Tiririca. O que justifica os cerca de 1.353.640 votos para ele? Quem nele deu o voto espera o que de uma política brasileira no geral e no senhor da Florentina de Jesus em particular?

Tiririca candidatou-se para assumir uma postura antieleitoral, apolítica, antipática frente ao destino de um país pretenso a uma boa mudança... sua performance de palhaço, dizem, seria uma forma de atrair os eleitores para se eximir de suas responsabilidades políticas. Como disse, as diferentes posturas ideológicas demonstram o retrato de uma democracia. Logo, votando em Dilma, Marina, Serra, Plínio ou em qualquer candidato, o eleitor estaria apostando numa mudança, numa melhora, com suas próprias crenças. Mas quem votou em Tiririca apostou em quê?

Se eu tivesse o poder e a necessidade de apontar um culpado e as razões que levaram os 1.353.640 a agirem assim, certamente o próprio Tiririca seria o último, porque ele também é vítima de um discurso fundamentado nos ideias da indiferença. E essa indiferença é reflexo de um país que tem e teve muitos políticos que pouco deram exemplo, muitos políticos que cometeram atos ilícitos aproveitando-se do poder que lhe foi dado, muitos políticos que deixaram de lado compromissos com a educação para beneficiarem-se do poder e dos bens públicos.

Se os 1.353.640 de pessoas votaram em Tiririca, em um estado populoso como SP, desperdiçando seu voto, quantos dessas no Brasil fariam o mesmo? Certamente, outros tantos milhões. E pessoas que pensam assim têm uma consciência política, cidadã, particip-ativa às avessas, prova de que lhes faltam informação, criticidade, educação, sapiência de que seu papel enquanto eleitor (seja de direita, de esquerda, de centro-direita, centro-esquerda, da ala de lá ou da ala de cá) é importante para a coletividade. O senso comum repete o seguinte enunciado: os políticos não investem em educação porque querem manter o povo acrítico e fácil de ser manipulado. Agora eu poderia criar um novo: há políticos que não educam o povo e depois reclamam que este não sabe votar. Mas isso não melhora a situação, ao contrário, permite que o discurso de que política é assunto chato, é ruim, não presta e, no Brasil não funciona, só fortaleça um saber medíocre diante das decisões coletivas e um comportamento apolítico do povo.

Especula-se na mídia e fora dela que o voto ao Tiririca é conseqüência de um comportamento crítico, revoltado, inconformado do brasileiro. Será mesmo? Se esses eleitores apresentam tal criticidade, certamente pensariam duas vezes, haja vista que, agindo assim, eles próprios iam perceber que vão pagar o salário e todas as despesas deste deputado federal enquanto nada mudará, e pior que estava acaba ficando.

Agora há quem vá lutar com todas as forças, argumentos, leis eleitorais, medidas etc. a fim de desautorizar a candidatura do palhaço, acreditando que sua figura é incompatível com o cargo a que se candidatou. Recentemente se tentou fazer isso com o argumento de que ele era analfabeto. O pior não é ser analfabeto, não é ser palhaço, não é ter falta de atitude política, não é deixar de ter projeto político em prol da sociedade. O pior é saber que pagaremos também com nossas contribuições por outros tantos Tiriricas espalhados pelo Brasil, que ganharam com ele ou com argumentos semelhantes; o pior é saber também que acabaram elegendo homens e mulheres com cara, voz, discurso, promessas, projetos de políticos sérios, diferente do Tiririca, mas tiveram ou podem ter uma história de corrupção, descompromissos com o eleitor brasileiro, que acreditou que poderiam ser diferentes de um simples palhaço que só serve para fazê-los rir quando a piada tem um pingo de graça e nada mais.

Não estou aqui justificando a candidatura de Tiririca com tais argumentos, mas tentando olhar para um regime político complexo que permite eleição de candidatos como este, em que, nessas horas, reclama-se por isso e tenta, às vezes, tarde demais corrigir as arestas do processo; enquanto outras arestas mais espinhosas - como aquelas onde permeiam os corruptos - vão continuar nos espetando a paciência, e fazendo muita gente acreditar que política é mesmo coisa suja – o que não é. É coisa muita séria! Alguns políticos é que não são. Junto com Tiririca, que ainda nos faz rir, nos fazem chorar de decepção!

jr

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sábado, 2 de outubro de 2010

SERRA, MARINA, DILMA e PLÍNIO

xxxx Falas desconcertantes e civilizadas xxx XXX

A câmera ainda incomoda mesmo quem está acostumado com a alta exposição do rosto nas telas. É o caso dos quatro presidenciáveis no último debate promovido pela Rede Globo. Se falar em palanque era uma prática muito forte para os grandes comícios nas campanhas, agora é a fala pública ao vivo e civilizada que vigora em frente às câmeras.

Não se fala diretamente para o eleitor, pelo menos não como antes, mas para uma máquina e, ainda assim, ter que suportar o controle do tempo, a condução e a intervenção do jornalista e as interpelações, alfinetadas e comentários deslocados dos adversários, além de uma plateia heterogênea ali presente. É com esse olhar que avalio o debate de quinta sem ter nenhuma pretensão de me colocar no lugar de especialistas de mídia, de política, de debates etc., mas apenas observando o mirante da linguagem, meu objeto de preocupação nas práticas de discursos.

De um modo geral e tomando como ponto de vista os outros debates, não vi nenhuma evolução daqueles para este no que tange à tranqüilidade dos candidatos. De fato, estavam todos ansiosos. Via-se o balançado involuntário de pernas de Dilma nos minutos que antecederam ao evento. Quem não ficaria nervoso? Quem não tremeria as pernas? Não é fácil falar sob pressão, não é fácil falar para públicos com anseios diferentes, não é fácil falar a partir desse lugar em que o sujeito está acuado. Acuado justamente porque é preciso atender a estes elementos todos, respeitá-los, e manter a postura sem “baixar o nível”. Sim, porque em política não se é de estranhar quando as agressões verbais deslizam-se para o espaço dos ataques pessoais, partidários e, por isso, fortemente ideológicos.

Se o discurso dessa ordem exige uma língua normativa, pura, correta, e livre de palavras de baixo calão, é preciso também que cada candidato fique atento para o que diz e como diz. Nesse sentido, por não se ter chance de correção - já que se está falando ao vivo -, são inevitáveis o “erro” de concordância como “vou aumentar o salário mínimo para R$ 600 real” (SERRA), a confusão de conceito e palavras - “tráfico/tráfego” (DILMA), o erro de cálculos “De cada 10 pessoas, 4 e 3...”(MARINA) esquecendo-se dos outros 3. Houve também um problema de localização, de situação geográfica, confusão de estados. Inúmeras vezes, Dilma e Marina misturaram os estados de SP e RJ, colocando-os num mesmo saco. Ora uma dizia “aqui em SP”, ora outra fala “lá no Rio” onde visitei o morro da rocinha, o morro X, o morro Y... revelando-se um problema de dêiticos. O fato é que o debate acontecia nas dependências da Globo em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio.

Por outro lado, a fala pública e higienizada com a qual se tenta dizer, o máximo possível, por via de uma língua transparente, caminha para uma língua metafórica. Eis porque Dilma falava do “mundo azul do Serra”, Marina se referia a uma “onda verde”, Plínio destacava “o país das mil maravilhas” ou, ainda, “acaba-se a batalha, continua a guerra” e tantas outras que povoavam suas vozes de figuras de sentido, de estilo, de linguagem. Serra e Marina foram os chefes de construções metafóricas.

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A voz macia de Marina apresentava como de costume um tom evangélico, libertário, maternal, buscando aproximar a identidade individualizada do eleitor que se reconhece na voz dela como sendo um dos tantos seus Luíses do Brasil, quando disse “Eu vi o seu Luis Eduardo na favela me pedindo...” como se tivesse falando de meu tio, do pai de meu amigo, do avô da minha esposa, seu vizinho etc. A voz estatística de Dilma trazida de outros debates se confunde com os números (“tivemos sete doações de partidos”) quando tenta responder à pergunta do Plínio sobre o fato de ela não marcar a figura do partido (PT) em sua campanha. Alguns da plateia riem e desestabilizam a postura séira de Dilma, que não consegue evitar seu nervosismo, depois disso.

Serra, por sua vez, consegue manter o ritmo, a frieza, frente às perguntas, respostas, réplicas, tréplicas, e até se mostra seguro dadas as experiências com essa ordem do dizer... [“uma cobra criada”, diria o Plínio se não tivesse que apresentar bons modos.] Mas Serra pensa que engana quando, na ânsia de vencer, apaga a história política do país, os projetos encaminhados, junta tudo e põe no mesmo saco, homogeneizando 8 anos ou mais ao nada feito e faz promessas milagrosas. Chega ao ponto de dizer “Eu não fico fazendo promessas, eu falo coisa que efetivamente vou fazer”. O conceito de promessas, portanto, vai por água abaixo.

Em suma, poderíamos dizer que as falas foram divididas da seguinte forma: Enquanto Marina ponderava suas palavras a fim de não cair no lugar comum da generalização, do esquecimento da história; Serra fazia o contrário, tentava apagar as políticas do governo anterior, contraditoriamente destacando alguns projetos positivos como sendo copiados de seu mandato enquanto governador de SP, e tende a profetizar. Já Plínio agia em função de devolver as perguntas quando na ocasião de sua fala era para responder ao que lhe foi questionado. Era parte de sua estratégia retórica fazer com que os adversários se expusessem; deixassem cair suas máscaras, entrar em contradição, atacá-lo. Experto, eu diria. Dilma, por sua vez, apresentou uma fala trêmula, pouco futurista, mais mantenedora das práticas do governo Lula, óbvio. Eis porque o apelo à história do governo, aos números, aos quadros estatísticos era bastante recorrente. No momento final do debate, eu diria que Marina foi humilde, agradecendo aos colegas e a Bonner pelo evento tal como Dilma; Serra agradece aos adversários, mas marca o egocentrismo destacando seu currículo, suas experiências, seu EU. Plínio faz ecoar nos últimos segundos uma voz interjetiva: “Viva o Brasil!”

Percebi, pois, que o uso da fala ao vivo espremida, real, sem cortes... é, às vezes, até constrangedora, porque ela faz se sobressaírem de forma nua e crua as apreensões, as angústias, as aflições, a imediatez, a tentativa de raciocínio objetivo, o desespero, as promessas improvisadas de candidatos que apelam para ter antes do controle do poder político, o controle do discurso, esse “poder pelo qual se luta” como disse Michel Foucault. Mas o discurso, a língua, as palavras deslizam-se porque são fluidas como água que escorre entre as frestas de um balaio trançado com fios de samambaia.

jr

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