quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

As enes maneiras de fazer um ano novo diferente

Passou-se o Natal e mais um fim de ano é iminente. Não há mais tempo pra repararmos os erros, pra concertarmos as catracas soltas no depósito de badulaques. Não há como cumprirmos aquelas metas estabelecidas no Natal passado. E vocês vão descobrir que esse foi mais um ano que acabou passando rápido. Sentir saudades não adianta. O tempo praticamente já é outro.
Para o novo ano, vocês terão chances de planejar tudo de novo e tentar fazer alguma coisa que realmente valha à pena, porque “hoje a festa é sua, a festa é nossa, é de quem quiser, de quem vier...” Se não conseguirem, haverá novos natais, novos Anos Novos, e sempre existirão chances de começar de novo, numa infinita repetição. Lembrem-se: quanto menos criamos projetos, mais se tem chances de não haver cobranças e menos são as frustrações por não terem visto resultados.
Diante das contradições da vida moderna, seguem algumas instruções para o povo brasileiro, principalmente para os mais jovens, neste novo ano: a) não escutem seus pais antes de saírem para as baladas, escutem-nos na volta se ainda tiverem chances de ouvi-los; b) não assistam aos noticiários durante a semana, a menos que seu fã ou seu jogador favorito estiver sofrendo algum tipo de calúnia; c) não juntem grana durante o ano nem trabalhem muito pra conseguir, a menos que seu banco seja tão bom que não pareça banco; d) não votem em plebiscito nem campanhas milagrosas, a menos que se volte a vender indulgências como promessa de salvação da pátria amada; e) não doem sangue nem use camisinha, a menos que se sintam forçados a fazê-lo; f) não sejam transgressores quando o ideal é lutar pela democracia, acomodem-se com o sistema, pois é isso o que se espera de vocês; g) usem fármacos entorpecentes, com produção rudimentar ou industrializada, a menos que sua missão seja lutar pela desorganização do crime organizado; h) não leiam a Bíblia nem sequer um minuto no ano, a não ser que nela vejam mais um canal pra falar com Deus; i) não respeitem os mais velhos nem lhes passem o assento na condução, a menos que sejam capazes de se verem a meio século além do presente; j) não acreditem no governo, e continuem dizendo que eles são mesmo corrutos e ladrões...a menos que vocês se lembrem que todos são resultados de suas escolhas e comungam do mesmo direito de cidadão; k) não leiam - se tiverem coragem - queimem os livros, a menos que se tenha um bom livro de autoajuda ensinando-lhes as dez maneiras de se aproveitar o tempo lendo algo que valha à pena; l) não escutem as crianças, não leiam histórias para elas, não as deixem um segundo expostas à chuva nem ao sol; enfim, não as eduquem nem as deem bons exemplos, deixem que o governo tome partido dessa função quando elas crescerem, afinal, há tempo para tudo nessa vida, a menos que a vida não nos dê tempo pra mudar o rumo das coisas; m) ah, não sigam manuais de instruções por um ano, a menos que seja pra trocar um pneu... n) ...n...n...n... Não desejemos feliz ano novo apenas, sejamos felizes.
jr

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Vida e arte na praça da catedral

Perdão para os amantes das canções de Vinícius de Moraes, mas passar uma tarde numa bela praça pública não é o mesmo que “Passar uma tarde em Itapuã/Ao sol que arde em Itapuã/Ouvindo o mar de Itapuã [e]Falar de amor em Itapuã”. São ações totalmente diferentes, e, diga-se de passagem, muito mais interessantes que a sugestão preguiçosa do poeta. Permitam-me iniciar este texto fazendo referência comparativa à música do saudoso Vinícius, que nos presenteou com o Soneto de Fidelidade. Entretanto, de tudo aos meus olhos fui atento e, com muita atenção e zelo, que mesmo se houvesse desespero, o encanto da praça marcaria meus pensamentos. Dizem que a arte imita a vida, outros preferem acreditar que a vida imita a arte. Prefiro pensar que arte e vida são as mesmas coisas, nós é que não paramos pra pintar o quadro que as compõe. Digo isso porque , ao percorrer algumas avenidas da cidade de São Carlos, interior paulista, tentando desvendar seus segredos, entender a arquitetura de alguns casarões, contornar as esquinas e atravessar as ruas disputadas por carros e transeuntes, concluí que nada me custava sentar um pouco no banco da praça. Fiz então. Pus a mochila no chão e olhei para o céu por entre a copa das frondosas árvores. Respirei um ar mais puro. Queria apenas fazer isso enquanto descansava e tomar o rumo a passos leves, sem pressa. Não consegui levantar os pés. A energia da praça era muito mais forte que meu entusiasmo para continuar a andança. Olhei o relógio, 17h no horário de verão. Não era cedo, não era tarde...ah, pouco me importava o tempo naquele instante. Só se é cedo ou tarde quando se tem hora marcada pra fazer alguma coisa. Pus-me de pé, girei a 360º e voltei a contemplar o chafariz no centro. Fazia tempo que não observava um chafariz. Fiquei ali olhando por um bom tempo. Não me cansava em ver as flechas d’água atirarem-se contra a lei da gravidade numa briga contínua e interminável. À minha esquerda, notei algumas pessoas conversando sabe-se lá sobre o quê, cujos sotaques lhes eram peculiares. Podiam-se ver vários grupos separando-se em categorias distintas – uma metáfora da sociedade organizada dentro de desordem. Num banco, quatro senhoras de aproximadamente 65 anos pareciam conversar sobre religião; uma tentava provar algo com a Bíblia aberta. Logo depois saíam rumo à catedral. Mais à frente, vi uns senhores jogando dominó. Apenas um mantinha-se de pé com uma mão na cintura e a outra mexendo a alva barba bastante compenetrado, como se tivesse jogando por todos. Alguns xingavam... podia-se notar pelas feições sisudas. Vi também umas crianças de uniformes escolares brincando de bola. Riam felizes. À minha direita, pude contemplar um casal de jovens namorados aos beijos. Curtiam um ao outro sem vulgaridades. Fazia tempo que não contemplava um casal tão harmônico. Eles compunham a fotografia da praça, diríamos ser uma escultura se o rapaz não mexesse tantos as mãos tocando os cabelos da moça. Às vezes, não somos acostumados, na contemporaneidade, a compor a paisagem como personagem romântica, em muitas outras somos espectadores dos feitos e fatos atrelados ao sexo explícito negociado ali mesmo na praça pública, o que não era o caso. Ainda assistia à cena fílmica por trás dos chuviscos do chafariz colorido, quando uma mãe roubou minha atenção ao gritar seu filho, que arriscava passar por entre as grades da fonte. “Saia daí, filho, já te disse que não pode fazer isso”. Fiquei observando o menino de uns 4 anos de idade, e passei a refletir acerca da pureza de um indivíduo e o quanto o tempo é capaz de apagar tamanha virtude à medida que vão crescendo. Naquele instante, eu queria ser criança e atirar-me com roupa e tudo na fonte de águas cristalinas. Que se danem os não-podes! Ironicamente, notei, vindo em minha direção, duas motos. Eram policiais à paisana. Por um segundo, pensei em três possibilidades capazes de os trazer à praça: retirar a criança da grade do chafariz; expulsar o casal que continuava aos beijos e apertos ou prender-me por estar ali sozinho, sentado num banco, numa posição de suspeito, já que mantinha-me na praça por muito tempo. Tocaram suas motos adiante, e nada disseram. Depois disso, eu já não tinha mais ânimo para continuar a contemplar a paisagem que compunha a vida (ou a arte?). Levantei-me, pus a mochila nas costas e fui me afastando da praça. Antes de deixá-la de vez, recebi um punhado de grãos e tive dificuldade de livrar-me dos pombos famintos. Logo notei que foi um senhor quem o fizera, como se tivesse a me dar uma lição: “Alimente os pombos, meu filho, enquanto é cedo; eu já faço isso há muitos anos e ainda não morri”. Mas ele nada me disse. Montei um sorriso quando o mirei nos olhos e partir. A praça da catedral ensinou-me, naquela tarde, que as tintas, a tela e os pincéis estão sempre nos lugares certos, só precisamos deixar de pintar o sete e sair das prisões que nos cercam e nos cegam diante dessa vida efêmera e marcada pelas proibições. Proibições que nos atrapalham a pintar o quadro de nossas vidas a seu tempo e nos roubam a possibilidade de sermos felizes.
jr
Fonte: Foto: http://www.visitesaocarlos.com.br/fotofontecatedral.htm, acesso nesta data.