
Conheci José Saramago quando tinha cerca de 18 anos, já tarde para um cara como eu. Também não faz muito tempo assim. O fato é que foi um professor de história que havia me indicado. Foi numa daquelas aulas em que o professor, muito empolgado sobre a história européia contemporânea, a influência da igreja, a hipocrisia social portuguesa, falava da importância da literatura, da arte como discurso transgressor. E eu nem sabia o que era um sujeito transgressor. Perguntei-lhe, e me respondeu: quer saber o que é um transgressor? Leia Saramago!
Li o Memorial do Convento (1982). Confesso que minha maturidade literária fragilizada e a estética do português distinta da encontrada noutras obras me assustaram. Quase nada entendi. Dois anos depois, reli a obra. Um ganho indiscutível. Daí fui mergulhar no Evangelho Segundo Jesus Cristo (1991). Outra constatação de que eu pouco sabia sobre a vida, sobre a força do catolicismo e seu discurso sobre nós por muitos séculos. Daí, lembrei-me do professor de história. E entendi porque Saramago é um escritor transgressor. Indiscutivelmente o maior transgressor da língua portuguesa, pois não calou suas palavras entre dedilhados toques na máquina, entre uma vírgula e outra, um pensamento e outro, um amor pelas palavras lusófonas.
Agora começo a ler Ensaio sobre a cegueira (2004).
Quando eu estava concluindo a faculdade eu havia criado um blog de cujo domínio acabei com o tempo desgostando. Naquela época, descobri que ele também escrevia o Outros Cadernos de Saramago. Quantas vezes eu acompanhava suas sábias palavras na página!
Hoje, com a notícia da morte do escritor, volto lá, depois de mais de um ano sem visitá-lo, e dou-me de cara com uma lição para os homens deixada por dirigentes da Fundação José Saramago. Eis abaixo seu recado para nós:
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Pensar, pensar
“Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma.”
(Revista do Expresso, Portugal (entrevista), 11 de Outubro de 2008)