sábado, 2 de outubro de 2010

SERRA, MARINA, DILMA e PLÍNIO

xxxx Falas desconcertantes e civilizadas xxx XXX

A câmera ainda incomoda mesmo quem está acostumado com a alta exposição do rosto nas telas. É o caso dos quatro presidenciáveis no último debate promovido pela Rede Globo. Se falar em palanque era uma prática muito forte para os grandes comícios nas campanhas, agora é a fala pública ao vivo e civilizada que vigora em frente às câmeras.

Não se fala diretamente para o eleitor, pelo menos não como antes, mas para uma máquina e, ainda assim, ter que suportar o controle do tempo, a condução e a intervenção do jornalista e as interpelações, alfinetadas e comentários deslocados dos adversários, além de uma plateia heterogênea ali presente. É com esse olhar que avalio o debate de quinta sem ter nenhuma pretensão de me colocar no lugar de especialistas de mídia, de política, de debates etc., mas apenas observando o mirante da linguagem, meu objeto de preocupação nas práticas de discursos.

De um modo geral e tomando como ponto de vista os outros debates, não vi nenhuma evolução daqueles para este no que tange à tranqüilidade dos candidatos. De fato, estavam todos ansiosos. Via-se o balançado involuntário de pernas de Dilma nos minutos que antecederam ao evento. Quem não ficaria nervoso? Quem não tremeria as pernas? Não é fácil falar sob pressão, não é fácil falar para públicos com anseios diferentes, não é fácil falar a partir desse lugar em que o sujeito está acuado. Acuado justamente porque é preciso atender a estes elementos todos, respeitá-los, e manter a postura sem “baixar o nível”. Sim, porque em política não se é de estranhar quando as agressões verbais deslizam-se para o espaço dos ataques pessoais, partidários e, por isso, fortemente ideológicos.

Se o discurso dessa ordem exige uma língua normativa, pura, correta, e livre de palavras de baixo calão, é preciso também que cada candidato fique atento para o que diz e como diz. Nesse sentido, por não se ter chance de correção - já que se está falando ao vivo -, são inevitáveis o “erro” de concordância como “vou aumentar o salário mínimo para R$ 600 real” (SERRA), a confusão de conceito e palavras - “tráfico/tráfego” (DILMA), o erro de cálculos “De cada 10 pessoas, 4 e 3...”(MARINA) esquecendo-se dos outros 3. Houve também um problema de localização, de situação geográfica, confusão de estados. Inúmeras vezes, Dilma e Marina misturaram os estados de SP e RJ, colocando-os num mesmo saco. Ora uma dizia “aqui em SP”, ora outra fala “lá no Rio” onde visitei o morro da rocinha, o morro X, o morro Y... revelando-se um problema de dêiticos. O fato é que o debate acontecia nas dependências da Globo em Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do Rio.

Por outro lado, a fala pública e higienizada com a qual se tenta dizer, o máximo possível, por via de uma língua transparente, caminha para uma língua metafórica. Eis porque Dilma falava do “mundo azul do Serra”, Marina se referia a uma “onda verde”, Plínio destacava “o país das mil maravilhas” ou, ainda, “acaba-se a batalha, continua a guerra” e tantas outras que povoavam suas vozes de figuras de sentido, de estilo, de linguagem. Serra e Marina foram os chefes de construções metafóricas.

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A voz macia de Marina apresentava como de costume um tom evangélico, libertário, maternal, buscando aproximar a identidade individualizada do eleitor que se reconhece na voz dela como sendo um dos tantos seus Luíses do Brasil, quando disse “Eu vi o seu Luis Eduardo na favela me pedindo...” como se tivesse falando de meu tio, do pai de meu amigo, do avô da minha esposa, seu vizinho etc. A voz estatística de Dilma trazida de outros debates se confunde com os números (“tivemos sete doações de partidos”) quando tenta responder à pergunta do Plínio sobre o fato de ela não marcar a figura do partido (PT) em sua campanha. Alguns da plateia riem e desestabilizam a postura séira de Dilma, que não consegue evitar seu nervosismo, depois disso.

Serra, por sua vez, consegue manter o ritmo, a frieza, frente às perguntas, respostas, réplicas, tréplicas, e até se mostra seguro dadas as experiências com essa ordem do dizer... [“uma cobra criada”, diria o Plínio se não tivesse que apresentar bons modos.] Mas Serra pensa que engana quando, na ânsia de vencer, apaga a história política do país, os projetos encaminhados, junta tudo e põe no mesmo saco, homogeneizando 8 anos ou mais ao nada feito e faz promessas milagrosas. Chega ao ponto de dizer “Eu não fico fazendo promessas, eu falo coisa que efetivamente vou fazer”. O conceito de promessas, portanto, vai por água abaixo.

Em suma, poderíamos dizer que as falas foram divididas da seguinte forma: Enquanto Marina ponderava suas palavras a fim de não cair no lugar comum da generalização, do esquecimento da história; Serra fazia o contrário, tentava apagar as políticas do governo anterior, contraditoriamente destacando alguns projetos positivos como sendo copiados de seu mandato enquanto governador de SP, e tende a profetizar. Já Plínio agia em função de devolver as perguntas quando na ocasião de sua fala era para responder ao que lhe foi questionado. Era parte de sua estratégia retórica fazer com que os adversários se expusessem; deixassem cair suas máscaras, entrar em contradição, atacá-lo. Experto, eu diria. Dilma, por sua vez, apresentou uma fala trêmula, pouco futurista, mais mantenedora das práticas do governo Lula, óbvio. Eis porque o apelo à história do governo, aos números, aos quadros estatísticos era bastante recorrente. No momento final do debate, eu diria que Marina foi humilde, agradecendo aos colegas e a Bonner pelo evento tal como Dilma; Serra agradece aos adversários, mas marca o egocentrismo destacando seu currículo, suas experiências, seu EU. Plínio faz ecoar nos últimos segundos uma voz interjetiva: “Viva o Brasil!”

Percebi, pois, que o uso da fala ao vivo espremida, real, sem cortes... é, às vezes, até constrangedora, porque ela faz se sobressaírem de forma nua e crua as apreensões, as angústias, as aflições, a imediatez, a tentativa de raciocínio objetivo, o desespero, as promessas improvisadas de candidatos que apelam para ter antes do controle do poder político, o controle do discurso, esse “poder pelo qual se luta” como disse Michel Foucault. Mas o discurso, a língua, as palavras deslizam-se porque são fluidas como água que escorre entre as frestas de um balaio trançado com fios de samambaia.

jr

Imagens

2 comentários:

Átila Goyaz disse...

Excelente crítica, para quem acompanhou o debate é bastabte ilustrativa.
Parabéns e vote consciente!

Anônimo disse...

Jooooo. Gostei demais desse post. Assisti a somente uma parte do debate na sua casa com vc, mas pelo visto não perdi muita coisa, o pouco que assisti foi o bastante ver as técnicas e estratégias de cada candidato. Vamo ver se a Dilma já vence agora pra acabar esse sofrimento de pensar que o serrinha pode ser eleito, espero que não. É Lula de novo com a força do povo. (com a dilma é claro). ahahahhhah