sábado, 29 de agosto de 2009

Fio dental todo enfiado, eis o troco!

Professora se exibe em festa da banda O Troco, na Bahia, e a sociedade cai em cima da coitadinha a pauladas verbais em pleno século XXI; isso porque teve sorte ao fugir das pedradas.

Uma professora de educação infantil, licenciada em Pedagogia, depois de apresentar uma performance dançando a música “Todo enfiado”, em junho deste ano, acabou perdendo o emprego por não servir de exemplo para a educação brasileira, como argumentam as más línguas. Eis mais uma prova de que a corda quebra sempre de um lado, o do mais fraco. No caso da professora, não foi de fato uma corda, mas um fio dental esticado pelo cantor pagodeiro que quase a fez dançar na boca da garrafa.

O século das luzes

Escuta-se muito a expressão “em pleno século XXI” em diversas situações em que se referem aos problemas sociais do mundo inteiro. Tal expressão parece marcar uma mudança de perspectiva do olhar do homem sobre o meio, avanços na tecnologia, novos comportamentos, valores, postura; estrutura midiática muito mais avançada, defesa da liberdade sexual, respeito às diferenças etc. Mas poucos se dão conta de que não houve nenhuma ruptura gritante do século passado para este capaz de marcar a história e inaugurar um novo mundo... talvez a derrubada das Torres Gêmeas tenha sacudido a mídia e gerado alguns burburinhos sensacionalistas, fora isso, nada mudou. Os problemas persistem, os políticos não se entendem, nova gripe aparece, a crise se repercute, Michael Jackson continua vendendo, e o pagode permanece empregando uns e desempregando outros. Educar que é bom, nada!

Se este século XXI é o do puritanismo social é também o da hipocrisia, não o das luzes; se estamos na época do “pode tudo”, é também o das limitações, proibições, censuras. controles .Se aplaudimos a lei da liberdade de expressão, condenamos a expressão livre do corpo nos estilos pagode funk ou forró eletrônico quando há uma pobre que dança de graça; se um destes gêneros musicais usa uma letra (quando há letra) capaz de depreciar a imagem da mulher e deseducar as crianças brasileiras, ninguém reclama, mas se uma professora em seu horário de “recreio” usa o corpo pleiteando um mísero espaço de fama entre os amigos, é exposta ao ridículo e perde seu “ganha-pão”. São incontáveis as pessoas que dão audiência e pagam bem o pornopagode para verem as dançarinas (e os bailarinos) apresentarem suas performances exibindo seus corpos quase nus. As festas de pagode, funk e outros estilos similares estão sempre lotadas pelos mesmos que acham inoportuno uma pessoa subir num palco e se expor como fez a professora. Reação desse tipo só nos mostra o quanto há pessoas hipócritas, dementes e, no mínimo, contraditórias na sociedade.

A imagem do santo professor

Um acontecimento inusitado que expõe a pedagoga ao ridículo e ganha espaço na mídia impressa e televisiva só serve para duas coisas: 1) dar pontos em audiência a esta mídia que não tem se preocupado com a informação educativa aos jovens; 2) dirigir a atenção das pessoas para uma questão fácil de se resolver na educação: demissão do profissional que não consegue ser santo. Não ganhamos nada com a dança da pró e nem perdemos, ela foi quem dançou... e dançou duas vezes. Mas será que perdemos alguma coisa quando encontraram dinheiro na cueca de ex-assessor parlamentar? Prosseguimos...

Bastou-se saber, através do You Tube, do feito da prozinha que logo deram um jeito de substituí-la... certamente porque não sustentou a imagem esperada pelos membros da escola nem pelos pais. Será que o que ela aprendeu em 4 anos de graduação não conta mais, foi tudo por água abaixo? Será que ela ensinava às crianças e à sua filha a dança do “Todo enfiado”?

O professor é um santo no Brasil, não pode errar nunca, e ganha muito bem por isso. Professor não dança, não fuma, não bebe álcool; professor não faz sexo, não xinga, não vai a festas; professor não pode vestir uma roupa diferente do seu guarda-pó, professor não é gente. O professor brasileiro ganha muito bem para sustentar essa imagem, só lhe falta uma coisa no seu Estatuto do Magistério: um espaço no céu, já que ele é santo, e, em seu currículo, estão todas os sermões para salvar essa sociedade. Por outro lado, para formar uma banda de pagode nem é preciso estudar (muito)... Estudar pra quê, dirão os adolescentes? Basta ter criatividade e “visão de negócio” para produzir percussão, montar uma coreografia que represente atos ou posições sexuais e rabiscar no papel algumas palavras referentes ao corpo físico da mulher e do homem bem como tais posições... ah, e dá um título à música, como “Todo enfiado”.

A corda mais forte

Mas voltemos ao outro lado da corda. Enquanto pais hipócritas exigem que uma professora seja expulsa de seu trabalho acusada de não servir de exemplo para a educação de seus filhos, estes mesmos pais podem ser políticos, empresários, enfermeiras, militares, cantores, médicos, engenheiros, pedreiros, motoristas, manobristas, jornalistas, pastores, advogados etc. que, diariamente, percebemos que, em diversas ocasiões, também não servem de exemplos aos jovens. - Educação se começa em casa, dizem por aí! - Não nos esqueçamos que a tal professora lecionava em escola privada, rede onde boa parte dos filhos da elite brasileira estuda.

Quantos políticos respaldados no discurso da política limpa e da democracia brasileira estão envolvidos com a corrupção e a lavagem de dinheiro público? Quantos empresários sonegam impostos ou criam empresas-laranja para alimentarem o contrabando nacional e internacional de mercadorias ilícitas? Quantos médicos e enfermeiros já foram cúmplices no roubo de bebês em hospitais quando não cometeram outros crimes, por exemplo? Quem nunca ouviu falar de crime organizado no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia , Pará e outras capitais envolvendo militares? Quantos advogados estão envolvidos em organizações criminosas, corrupção, tráfico de influência, tráfico internacional de drogas? Quantos padres e pastores já cometerem o crime da pedofilia quando não outros? Enfim, quantos pais e mães neste país não cometem e cometeram algum erro capaz de envergonhar a sociedade e deseducar as crianças?

O buraco é mais embaixo

Está mais do que na hora, neste século XXI, de pararmos de atirar a pedra nos pequenos e juntarmos as pedrinhas, contabilizando nossos erros e os de muitos profissionais responsáveis pela estrutura educacional do país. Está na hora de começarmos a não dar audiência aos estilos musicais cariocas, paulistas, baianos, pernambucanos, cearenses, gaúchos que deseducam os jovens, que ridicularizam a imagem da mulher brasileira, que sustentam, em seus discursos, a vulgaridade do exotismo brasileiro, e que promove um turismo sexual, economicamente, muito lucrativo. Está na hora também de o Ministério da Educação e o da Cultura (antes um só Ministério) desenvolverem políticas capazes de fazer da música um meio de emancipação dos indivíduos - que não têm pensado mais sobre seus conteúdos, mas apenas os absorvem e dançam, como a professora que acabou dançando não mais na boca da garrafa, mas na garrafa inteira. Se o MEC tem controle dos livros didáticos sobre seus conteúdos bem como o currículo dos cursos de educação básica e superior, por que os Ministérios da Cultura e da Comunicação não passam a acompanhar mais de perto a funcionalidade da música e, da mesma maneira o papel da mídia de modo geral? Ah, perdão, esqueci da Liberdade de Expressão - tão cara a esta sociedade santa!

jr
Fonte: Imagem: http://otorto.files.wordpress.com/2007/01/professora1.gif

8 comentários:

Anônimo disse...

concordo em gênero, número e grau com o autor do texto.

Enio de Souza

Ricardo Thadeu (Gago) disse...

Meu amigo, parabéns pelo texto.

adiós!

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Ahahahahahá! Claro que pode! Indique o blog para todos os seus amigos!

Ah, e parabéns! Você é o seguidor 210. (rsrsrsrs) Você devia receber um prêmio! Mas tenho certeza de que fui eu quem ganhou o presente de ter mais um grande amigo escalando a torre!

Valeu demais! Adorei seu blog!

Um abração!

Pedro Antônio

Anônimo disse...

Excelente texto! Neste país, do que menos precisamos é falso moralismo. O que temos a ver com a cidadã que quer exibir seu monumento? O que importa é o que ela faz em sala de aula e não, fora.

Palatus disse...

Enio, obrigado pela visita...e sua posição! Ser contra ou a favor não importa, o que nos importa é refletir criticamente acerca das posições deseducadoras de alguns.

Palatus disse...

Ricardo, obrigado. Estamos aí. Adiós!

Palatus disse...

Pedro, sou sim seu seguidor número 210. Então nós dois ganhamos nessa escalada à Torre!

Sussa! Volte sempre, porque volta e meia estarei por aí...rsrs.

Palatus disse...

May, pois é...o que ganhamos com isso? O que importa na educação é a construção educativa eficaz que se pretende - embora eu pense que, no caso específico da dança/música desse nível, nós devemos pensar antes...antes de nos expormos.