sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Curriculum Lattes de Bebéa

Quando alguém me pergunta: de que personagem da literatura brasileira você mais gosta? Não penso duas vezes e respondo: Macabéa. Respeito opiniões contrárias, afinal não conheço todas as personagens da ficção brasileira, mas reservem-me o direito de colocar a maior invenção da figura (des)humanizada de Clarice Lispector no podium. Macabéa provoca, no leitor, um misto de inúmeros sentimentos mais macabros e ternos ao mesmo tempo. Incrível!

A vez primeira que li A hora da estrela, estava ainda na oitava série, e só consegui sentir pena da nordestina que amava os pregos. Depois disso, li no final do segundo grau para fazer vestibular da Ufba. Dessa vez, senti remorsos e culpa quando a personagem foi atropelada, sentimentos que Olímpio deveria ter, e não teve. Mas tarde, li na faculdade - cujo olhar crítico, muito mais preocupado em tirar uma nota boa através da análise, me levou a não sentir nada. Conclusão: Macabéa também desperta sentimento indefinível ou vazio.

Entretanto, hoje, pela primeira vez (podem rir), assisti ao filme A hora da estrela (Diretora: Suzana Amaral e atores: Marcélia Cartaxo, Macabéa, e José Dumont, Olímpio), graças a um amigo que me passou uma cópia.

Com o olhar preso à tela do computador e os ouvidos atentos a cada poesia proferida pela personagem Bebéa (somos íntimos!), não queria que o filme terminasse nunca. Primeiro porque já sabia o destino trágico da doce menina e não queria enxergar a realidade do fim nua e crua. E, segundo, porque eu não estava preparado para encarar um novo sentimento que, certamente, me seria despertado.

Hoje, mais um poesia da personagem clariceana ficou em minha memória. Vou dar o nome de “Currículo de Macabéa” a seguinte fala:

Sou datilógrafa

Sou virgem

Gosto de Coca-Cola

É claro que ela não é só isso, mas esse diálogo resume na essência a sua pessoa. Talvez estas sejam, a meu ver, as palavras que melhor demonstram a consciência de si mesma. Se Macabéa fosse escrita hoje, creio que a poesia seria a mesma, mas quem sabe ela não diria:

Sou digitadora

Sou desvirginada

Gosto de Pepsi Twist

Eu daria o título “Curriculum Lattes de Bebéa”.

Ah, deixe eu dizer, o sentimento que tive ao terminar de assistir à película hoje foi alegria, simplesmente alegria, por saber que Bebéa morreu feliz.

E você, o que sentiu ao encará-la pela primeira, segunda, terceira...vez?

jr

Imagem superior, cena do filme; imagem inferior, capa do romance.

4 comentários:

Carlos Rafael Dias disse...

Legal esse post. Assim é que devem ser as aulas de literatura. Com humor e invenção.

solfirmino disse...

Gostei da Macabéa revisitada com pepsi twist... Clarice está em exposição aqui no Rio. Semana que vem vou com minha turma por lá.
Obrigada pelas suas visitas.

Janaina Amado disse...

Clarice é minha paixão, e eu concordo com você, Nilson: Macabéa é das melhores criações dela e ma literatura brasileira. Vc. gostou do filme?
Olhe, quando tiver um tempinho vai lá no blog, tem umas meninas esperando por você...

Lidi disse...

Na primeira, segunda, terceira e quarta vez que li A Hora da Estrela, senti a mesma coisa, ora uma vontade imensa de levar Maca (também somos íntimas!) para casa e cuidar dela, como de uma irmã, ora tinha vontade de dar nela uma sacudida, pra ver se ela acordava pra vida!! =) Trabalhei com esse filme na IC, ano passado, Nilson e, realmente, é maravilhoso, assim como a novela clariciana!! Maca desperta sentimentos múltiplos e, às vezes, indefiníveis!! Beijo!!