terça-feira, 17 de julho de 2007

Apelo - Dalton Trevisan



Apelo
Dalton Trevisan

Amanhã faz um mês que a Senhora está longe de casa. Primeiros dias, para dizer a verdade, não senti falta, bom chegar tarde, esquecido na conversa de esquina. Não foi ausência por uma semana: o batom ainda no lenço, o prato na mesa por engano, a imagem de relance no espelho.

Com os dias, Senhora, o leite primeira vez coalhou. A notícia de sua perda veio aos poucos: a pilha de jornais ali no chão, ninguém os guardou debaixo da escada. Toda a casa era um corredor deserto, até o canário ficou mudo. Não dar parte de fraco, ah, Senhora, fui beber com os amigos. Uma hora da noite eles se iam. Ficava só, sem o perdão de sua presença, última luz na varanda, a todas as aflições do dia.

Sentia falta da pequena briga pelo sal no tomate — meu jeito de querer bem. Acaso é saudade, Senhora? Às suas violetas, na janela, não lhes poupei água e elas murcham. Não tenho botão na camisa. Calço a meia furada. Que fim levou o saca-rolha? Nenhum de nós sabe, sem a Senhora, conversar com os outros: bocas raivosas mastigando. Venha para casa, Senhora, por favor.
*************************************

Este é um dos contos que mais revelam a realidade familiar presa no curso do tempo que mais parece ligar-se a uma eternidade. Uma verdade que se põe longe das definições filosóficas e convencionais batiza o pequeno conto de Trevisan, cujo enredo nos coloca diante de uma imagem fílmico-fotográfica triste de um homem solitário. Solitário sim... A que se deve essa solidão? Talvez a morte denunciada pela ausência constante da Senhora faça o narrador avaliar o mal sem volta provocado por sua indiferença.


Dalton Trevisam (1925) é contista premiado e formado em Direito. Autor de mais de vinte obras, dentre eles Cemitérios de elefantes (1964), O vampiro de Curitiba (1965), A guerra conjugal (1969), A faca no coração (1975). Muitos de seus contos foram publicados em várias línguas. Alguns deles foram até adaptados a filmes, seriados de TV e peças teatrais no Brasil. Em 2006, o conto Capitu sou Eu transcrito do livro homônimo publicado em 2003, compôs a antologia Contos Cruéis: As narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea.
Para quem não conhece, sugiro que leiam seus excelentes e intrigantes contos tomando café quente num final de tarde. Obs: não mais quente que muitas de suas narrativas!

Um abraço!
jr

9 comentários:

RIC disse...

... Só damos valor ao que já perdemos... Irremediavelmente humano... Sempre impressionante.
Gosto do estilo «minimalista», telegráfico, absolutamente sintético e enxuto.
Obrigado!
Abraço! :-)

Palatus disse...

Oi Ric,

Esse é um dos contos de Dalton Trevisan de que mais gosto. Consigo imaginar a cena de um pobre homem solitário e triste, dentre outros adjetivos que seguem essa categoria.
Obrigado pela visita.
Outro abraço, mano!

Marla disse...

Oi,
A imagem que o texto Apelo passa para mim é a de uma mulher cansada de falar sozinha dentro de casa, de lançar furtivamente um pesado e longo olhar(desse que somente a rotina entre casis consegue criar), quando o marido passa. Ele, mais solitário ainda,merece rolar no meio de pratos sujos na pia da cozinha.Ele sempre foi acomodado e inerte.

Anônimo disse...

PARA MIM O CONTO DE TREVISAM CONTA A HISTORIA DA VIAGEM DE UMA PESSOA MUITO ESPECIAL PARA O POBRE HOMEM SOLITARIO QUE AGUARDA ANCIOSAMENTE A SUA VOLTA.

Anônimo disse...

Even these kinds of tools deliver finish suggestions to the mechanics for the
analysis function. Immediately after numerous seconds the
codes will show up on the scanner.

Look at my webpage obdii scanner

Anônimo disse...

Touchscan is the twin of OBD Wiz according to the organization assistance.

The relationship interface automobile populates the com port
and components velocity options.

Review my homepage: obd2 scanner

Nanda ;) disse...

A vida nos ensina que só damos valor a algo em nossa vida que já perdemos.
Dalton Jerson Trevisan (1925, hoje, com 89 anos) mais conhecido como Dalton Trevisan ou O vampiro de Curitiba segundo um de seus livros, repassa para nós, pois quando percebemos essa lição, já é tarde demais.
Dalton é humilde, pois para quem mora em Curitiba como Dalton (e eu) não sabe, mas ele aparece anonimamente, alguns sabem onde ele mora, mas prefere ser como um anonimato. Ele só escreve coisas que vê no mundo, por isso algumas frases inadequadas deveríamos dizer, como eu li algumas, pois estou fazendo um trabalho escolar, mas além dessas frases diferenciadas, seus contos são muito interessantes nos ensinando lições de vida e morais, que vamos usar para frente, como essa história.

Anônimo disse...

AMOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Nanda ;) disse...

A vida nos ensina que só damos valor a algo em nossa vida que já perdemos.
Dalton Jerson Trevisan (1925, hoje, com 89 anos) mais conhecido como Dalton Trevisan ou O vampiro de Curitiba segundo um de seus livros, repassa para nós, pois quando percebemos essa lição, já é tarde demais.
Dalton é humilde, pois para quem mora em Curitiba como Dalton (e eu) não sabe, mas ele aparece anonimamente, alguns sabem onde ele mora, mas prefere ser como um anonimato. Ele só escreve coisas que vê no mundo, por isso algumas frases inadequadas deveríamos dizer, como eu li algumas, pois estou fazendo um trabalho escolar, mas além dessas frases diferenciadas, seus contos são muito interessantes nos ensinando lições de vida e morais, que vamos usar para frente, como essa história.