segunda-feira, 11 de junho de 2007

Conto: Proposta em comício

Que vergonha, dizia ela sempre que se lembrava do que outrora lhe havia acontecido. Nunca iria esquecer a situação a qual fora "forçada" a enfrentar. Não estava arrependida, nunca esteve, mas confessa que, se fosse hoje, jamais faria o mesmo.

Chamava-se Deolina. Maria Deolina do Perpétuo Socorro. Nascera e crescera na pequena fazenda onde seus pais trabalhavam com os roçados de milho e mandioca. Viviam muito longe da cidade. Fora apenas duas vezes: a primeira, aos doze anos, quando seu pai a levou para registrá-la; a segunda, aos vinte, quando precisou ir ao posto de saúde extrair um dente, que lhe tirara algumas noites de sono.

Aprendeu desde cedo os ofícios da roça. A enxada, dizia ser seu lápis; a terra, seu livro. Nunca fora a escola quando menina. Depois de moça, sentia vergonha sentar-se no meio das crianças, sem saber decifrar uma letra do alfabeto. Mesmo que quisesse, não poderia: quem riria ajudar o pai no cultivo da mandioca, do feijão, da batata? Quem cuidaria dos afazeres domésticos, principalmente, depois que perdeu a mãe, vítima de uma picada de cobra?

Seu pai não iria permitir que deixasse as atividades do campo pelos livros. Acreditava que os estudos iriam afastá-la dele, mais cedo ou mais tarde. Tinha exemplo: dizia que a filha de seu fulano fugira com um colega e nunca mais deu notícia; que a filha de seu beltrano e a de seu sicrano haviam ficado grávidas dos rapazes da cidade logo após terem ido para o ginásio. E foram rejeitadas. Não queria isso para sua filha. Queria que ela se casasse logo, e com um pretendente de respeito, homem do campo, de fibra... Não teria problemas se não fosse rico, mas que fosse, ao menos, trabalhador, honesto...

Aos vinte e seis, Deolina não havia ainda arranjado um bom parceiro para constituir sua família. Surgiam alguns pretendentes. Namorava um por uns tempos, outro em outras ocasiões, mas acreditava que todos os homens eram iguais. Para ela, mais tarde acabariam por rejeitá-la após abusarem de sua boa vontade. Mas não perdurou com esta tese por muito tempo.

Os anos passavam. Os pretendentes, aos poucos, iam desaparecendo. As cobranças do pai, das tias, dos vizinhos, dos conhecidos iam aumentando a cada dia. Teria de casar-se o quanto mais cedo.

Mas tarde, iria ocorrer um comício político naquelas redondezas. Não se falava outra coisa a não ser da missa proposta pelo candidato a prefeito. Deolina não se achava disposta para ir à festa. Dizia que não tinha roupas adequadas.

— Vai, besta! – disse uma vizinha – Doutô Averardo deixou três camisa aqui. Toma uma pra tu.

— Não carece, não.

— Carece sim. De noite vem aqui que eu passo o ferro no teu cabelo. De repente tu arranja um bom partido, um fazendeiro...

Sua vizinha provara que era boa de intuição. Deolina acabou conhecendo o Zé do Boi, um rapaz de vinte e cinco, sete anos mais novo que ela. Tempos depois, já fazia dois meses que estavam namorando. Dessa vez parecia tudo dar certo. No entanto, Zé do Boi aparentava não estar muito satisfeito com o relacionamento. Andava dizendo que iria embora, iria procurar emprego na cidade; iria vender o boi pra comprar umas telhas...

Com os olhos afogados em lágrimas, Deolina estava morrendo de medo de que tudo aquilo que estava vivendo não se resumisse a um discurso de campanha política. Levada pela emoção, como se estivesse num grande palanque, tomou a palavra que estava sob o domínio do jovem namorado e disse:

— Zé, se case comigo... se case comigo. Venda o boi, compre suas telha, mas...case comigo.

— Deo, ainda não fiz a casa – disse o rapaz, tentando se sair daquela situação penosa.

— Tem nada não, Zé. Por enquanto você mora lá em casa, amanhã a gente se vira.

Depois desse dia, Deolina andava com o sorriso na praça, tal como um prefeito em véspera de eleição.

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