domingo, 17 de junho de 2007

História do sabiá

Minha terra tem gaiolas onde prendem sabiás. Não existem em nenhum lugar do mundo pássaros tão dóceis. Quando querem prender os sabiás daqui, basta abrirem as portas dos alçapões, e todos entram sem fazer cara feia.

Os sabiás de minha terra só gorjeiam em português, não lhes ensinaram a gorjear em inglês, nem em europês. Mas quando abrem seus bicos deixa qualquer gavião de boca aberta.

Conheci outro dia um sabiá que andava pra baixo e pra cima de BMW. Ele me disse: "Comprei esta palmeira vendendo pó; sabiá não cheira, mermão, sabiá economiza" – acreditei sem questioná-lo.

Os sabiás de minha terra não morrem nunca porque são, antes de tudo, uns fortes. Outro dia acertaram um tiro no meio do peito de um sabiazinho que bicava uma melancia podre no mercado. Este, por sua vez, tomou um chá de cadeira nos corredores do Instituto Médico Legal por sete dias e voltou ao paraíso, sua terra natal, sã e salvo.

Ah, minha terra tem sabiás que se casam, põem ovos, produzem filhotes e ainda dividem seus ninhos que ficam debaixo de viadutos com outras famílias de sabiás. Todos vivem felizes para sempre...

Aqui em minha terra há, porém, um probleminha: existem gaviões, urubus, corujas, águias, falcões e corvos, mas até agora não conseguiram construir gaiolas para eles.
jr

4 comentários:

RIC disse...

Há uma bela canção brasileira a propósito do sabiá, mas eu não me consigo lembrar dela neste momento...
Quase uma perfeita alegoria! E o tom magoado sente-se facilmente...
Ah, abençoada Bahia, terra também de escritores!...
Abração! :-)

Palatus disse...

Caro Ric, na verdade você se lembrou do poema "Canção do exílio", do escritor romântico brasileiro Antonio Gonçalves Dias(1823-1864). Foi a partir deste poema que fiz a crônica, isto é, atualizando de forma meio irônica.
Quanto a Bahia, orgulho-me muito por fazer parte desta terra de Castro Alves, Jorge Amado, Helena Parente, Sônia Coutinho e tantos outros escritores...imortalizado e vivos...
Grande abraço!

Palatus disse...

Segue o poema

Canção do Exílio

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

RIC disse...

Meu caro Nilson!
Muito obrigado pela atenção!
Curiosamente, quando comecei a ler o poema vieram-me as lágrimas aos olhos porque já não o lia há muitos anos.
Que gentileza!
:-)